A geração disruptiva.

Nos meus tempos de colégio, eu gostava muito desenhar. Desenhava bobagens em qualquer lugar. Caricaturas dos professores no quadro negro na hora do intervalo, arte erótica nas portas dos banheiros da escola e os mais diversos devaneios, quadrinhos, trocadilhos, frases de efeitos e cartuns nas tampas das carteiras durante as aulas. Só pelo prazer de imaginar alguém vendo aquilo tudo ao sentar naquela cadeira depois.
Eu aprendi a desenhar com meu irmão mais velho, que também desenhava bastante. Um dia, ainda na escola, ele me disse algo que nunca esqueci sobre as tampas das carteiras desenhadas. Ele achava que elas deveriam ser estudadas como uma fonte riquíssima de estudos de tendências da sociedade. Por que é ali que surge o novo, as ideias bacanas que seriam absorvidas por todo mundo depois.
Ele, adolescente ainda, estava certo. Talvez tenha errado só um pouquinho na idade. As tampas das carteira que deveriam passar a ser estudadas eram as de uma turma um pouquinho mais velha, já nas faculdades.
Estudos comprovam que os grupos de 18 a 24 anos são os que mais influenciam outros grupos, sejam eles mais novos ou mais velhos. E que a partir desse epicentro, outros grupos começam a ser influenciados exponencialmente. Empresas de pesquisas de tendências como a Box 1824 carregam essa lógica no próprio nome, dando mais ênfase na sua atuação pesquisando esse segmento de público.
Esse olhar para o jovem com o objetivo de entender para onde ele está caminhando sempre fez parte da indústria da comunicação. Com a revolução digital e as mudanças comportamentais advindas pós internet, dissecar o jovem virou quase uma obrigação.
E eis que chegamos na era em que o grande alvo de estudos são os seres nascidos e criados nesse ambiente sem ficha telefônica, de headphones sempre nos ouvidos, de facilidade de acesso à informação, de pouca conversa e sem necessidade de revista de mulher pelada escondida no banheiro, os chamados Millennials.
A precursora dos principais estudos sobre o jovem talvez tenha sido a MTV, em parceria com a mesma Box 1824, nos Dossiês Universo Jovem, lá pelo início dos anos 2000. No mês passado, a agência Talent Marcel, seguindo essa tendência, lançou um estudo muito interessante sobre o comportamento jovem chamado Mind The Gap. Vale a pena assistir. Acesse www.mindthegaptm.com.br para ter as informações completas ou veja o filme abaixo:
Mas algo diferente aconteceu essa semana e me chamou bastante atenção. Um estudo desenvolvido pelo Grupo Abril. E trata-se de um estudo sobre a Geração X. Oi? Como é? Você não se enganou não? Não quis dizer Y ou Z, por engano? Não, amigo. É isso mesmo. Um estudo sobre a Geração X. E olha, acho que você deveria dar uma olhadinha nesse estudo, seja você de que geração for. A matéria com mais dados esta em http://www.meioemensagem.com.br/home/ultimas-noticias/2017/06/21/abril-apresenta-estudo-sobre-geracao-x.html ou veja o filme abaixo:
Tente relevar o fato que esse estudo foi desenvolvido por um grupo (Abril) que parece nadar desesperadamente contra a correnteza para não se despedaçar em uma cachoeira digital. Releve também o linguajar, na minha opinião, às vezes grosseiro com os Millennials. A verdade é que algumas incômodas verdades estão sendo ditas ali.
Verdades que me fizeram ver novamente o documentário Mind The Gap e perceber que todo o estudo feito ali e que fala muito sobre os tais millennials é construído a partir de uma visão não dos Millennials, mas da geração X (basta ver os créditos no fim do vídeo).
Como membro dessa geração X, posso estar sendo cabotino na minha análise. Mas acho que realmente somos uma geração que ainda tem muito a colaborar na formação de novas tendências. Somos a geração ponte. A geração que nunca teve medo de descobrir e se aprofundar no online mas que ainda sabe conversar em modo offline, olho no olho, assumindo as responsabilidades pelo que diz.
Faço parte da geração que não fica só na primeira página da ideia, que rala em cima de um projeto, que se entrega, que aprendeu a pensar em planos B, C e D, que veste a camisa pra que a coisa saia bonita. Que não entrega os pontos. Pelo menos não sem lutar e sofrer bastante antes. Uma geração que muito antes de se falar em prototipagem e feedback, estava botando as ideias na rua e aprendendo com os próprios erros.
Não é preciso perguntar para muitos gestores de departamentos criativos para perceber que encontrar profissionais com esse perfil hoje em dia está cada vez mais difícil. Os interesses mudaram. E talvez não seja tão interessante assim se dedicar tanto a uma empresa ou projeto, na visão dos mais novos. Nisso, eles tem lá muita razão. Pero hay que manter la ternura sin deixar de endurecer nas horas certas.
Certamente uma geração tem muito a colaborar com a outra. A facilidade de interação com novas tecnologias dos Millennials é fascinante. Talvez eles precisem de ajuda para aprender a interagir um pouco mais com os colegas no ambiente de trabalho sem olhar para um display.
Creio que esses conflitos não são novidade e fazem parte de um ciclo natural. Lembro que quando estava no início de carreira, muitos colegas se referiam aos Diretores de algumas agências como Dinossauros que precisavam ser extintos. Particularmente, aprendi muito com alguns desses Dinos e sou muito grato aos profissionais mais velhos que tive a honra de trabalhar junto.
Certamente chegará uma hora em que os Millennials também serão considerados Dinos pela geração seguinte. Mas isso só acontecerá quando eles assumirem o protagonismo da indústria da Comunicação. Caso contrário, serão lembrados não como Dinos, mas como inofensivos lagartos.
Tomemos como exemplo o Festival de Cannes, que se encerrou nessa semana. Já que é um dos maiores momentos de benchmark do nosso mercado, vale a pena analisar um dado interessante que talvez mostre como ainda falta um pouco de maturidade para os Millennials e como a geração X ainda pode segurar por um bom tempo as rédeas dessa indústria. Trata-se de uma observação feita pelo Copresidente da MullenLowe, José Henrique Borghi:
“Posso estar enganado (não estou) mas as agências brasileiras digitais de nascença quase não ganharam leões em Cannes. Posso estar enganado (não estou) mas no ranking das mais premiadas este ano estão agências com 10, 20, 40 ou mais anos de idade. Todas ‘tradicionais’. Qual a explicação? Posso estar enganado (não estou) mas tem algo muito disruptivo, inovador e futurístico acontecendo.”