Baú de velhas novidades

Por trás da criação de cada job existe sempre uma história pra contar. Essa página aqui se propõe a resgatar alguns trabalhos que fiz que já não são atuais. Mas que ainda carregam boas histórias e, seja como exemplo positivo ou negativo, alguns aprendizados e reflexões.

Lá onde nascem as estrelas.

Quem trabalha com publicidade já tá meio acostumado a ouvir que a nossa profissão não serve pra nada… que propaganda só faz mal. Pra esses comentários existem dados bem consolidados que provam a importância da publicidade pra economia e pra sociedade. Mas tem outra coisa bacana na nossa profissão, que é servir como laboratório e fonte de renda pra talentos no começo de suas carreiras. Olha aí o então desconhecido ator Rodrigo Lombardi, que viria a se tornar galã de novelas, estrelando esse comercial da Brasil Telecom de 2004. No filme do Ministério da Saúde, de 2007, vemos o ator Alexandre Nero muito antes de encarnar o motorista Baltazar ou o poderoso Comendador, nos folhetins da Globo. Aliás, o Alexandre foi uma sugestão do diretor do comercial, Marcus Jorge, que também é um premiado diretor de cinema. O Marcus me dizia que a publicidade dava a ele rodagem, experiência e um bom network pra seus projetos cinematográficos. Ele aproveitava para testar movimentos de câmera, enquadramentos, equipe, elenco… que depois poderia usar em seus filmes. Uma troca boa para os artistas e para os anunciantes. E também para nossa cultura, não acham?

Com licença, posso desconstruir seu Papai Noel?

Gosto muito desse comercial. Tem um valor afetivo, pois foi o primeiro filme que criei com veiculação nacional. Acho divertido e bem produzido (a direção foi do Beto Brant, que tinha recém assinado o cult movie nacional Os Matadores). O comercial foi premiado e ajudou a superar as metas de vendas das Loterias da Caixa. Mas isso aconteceu em 1999. Hoje, ele é só um retrato do que poderia ser considerado bom na época. A ideia caducou. Não se encaixa mais no zeitgeist, no espírito do tempo em que vivemos. E que bom que seja assim. Mostra que estamos evoluindo enquanto sociedade. Ou pelo menos tentando. Quem aí, hoje, não consegue ver nele um pouco de gordofobia, ageismo, exclusão e sexismo recorrentes nos meios de comunicação nos anos 90? E ainda desconstruindo um personagem infantil pra vender, pasmem, um jogo de azar! Hoje, certamente a Caixa reprovaria a ideia de um Papai Noel Sugar Daddy. Aliás, a gente sequer apresentaria a ideia. Como já disse, gosto do comercial, mas pelo valor afetivo. E também porque me ajuda a ver como estamos evoluindo, quando olhamos pra trás. E como precisamos evoluir muito mais, quando olhamos pra frente.

O que era uma grande oportunidade ainda é?

Em 2005, a modelo Caroline Bittencourt ficou famosa por ter sido expulsa do casamento do jogador Ronaldo Fenômeno com a apresentadora Daniella Cicarelli. Parecia uma grande oportunidade, já que Daniella era garota-propaganda da TIM e a disputa entre as teles era pesada. Fui incumbido de criar um comercial fazendo alusão ao caso. E a Brasil Telecom bombou. Menos de 3 meses depois, Ronaldo e Cicarelli se separaram e outro pedido de roteiro caiu na minha mesa. Um segundo filme, com Caroline agora ironizando a duração do casamento. Outro sucesso de vendas. Nos dois casos, ninguém questionou o fato de estarmos tratando da vida privada de uma pessoa numa propaganda, ainda que fosse de uma celebridade. Era relativamente aceitável pela sociedade. Tanto que o próprio Ronaldo foi trolado pelo garoto Bombril, em 2008, após ser flagrado com duas travestis num motel. Mas o mundo gira, a comunicação vem mudando seus valores, e uma nova realidade nos traz uma reflexão. Ainda vale a pena investir em ideias assim? Surfar a onda do cancelamento pode ser bem perigoso pra uma marca hoje em dia. Oportunidades sempre aparecerão. Mas é preciso estar atento pra que o ímpeto de aproveitá-las não nos faça ignorar aquilo que uma marca nunca pode perder: o respeito.

Suor quando gruda, não sai nem com sabão.

Quem morou em Brasília entre 1997 e 1998, deve lembrar desse comercial. Criei com o Gus Simões e o Anjo, na DQV Propaganda. E fico feliz de ver que, além de ajudar a salvar vidas no trânsito, ele continua na mente dos brasilienses até hoje. Não tínhamos noção que esses carrinhos deslizariam tão longe, pois tudo foi feito pro bono, na base do improviso e na raça. Pra se ter uma ideia, o coro do jingle foi cantado por nós mesmos, junto com o produtor (Marcelo Brandão) e o locutor (Ernani Cataldo). Até o barulhinho de gota foi feito com a boca, pelo Gus. Repare no vídeo que a pista balança um pouco, pois era só uma lâmina de fórmica, bem fina. Eu e o Gus ficamos apoiados sobre ela, empurrando os carrinhos e jogando água pra lá e pra cá, porque os sabonetes amoleciam com o calor das luzes do estúdio e grudavam. Ficamos encharcados. E, pra piorar, os carrinhos foram ficando impregnados de sabonete com nossas digitais e não havia tempo para limpá-los após cada take, pois perdemos horas preciosas do estúdio saindo para procurar carrinhos de ferro, barraca por barraca, na Feiras dos Importados. Os originais, de plástico, eram muito leves e caiam dos sabonetes o tempo todo durante o movimento. Foi um sufoco! Mas a gente acreditava que a ideia valia o esforço. Por isso, deixamos impregnados nela, literalmente, nosso suor e as nossas digitais. E o tempo mostrou que valia mesmo.

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