Entrando na propaganda de cabeça

 

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Quando eu tinha entre 15 e 16 anos, morava em Curitiba, em um pequeno prédio com apenas 16 apartamentos. A filha de um dos vizinhos, já adulta, tinha uma agência de casting publicitário e constantemente visitava os pais e o irmão mais novo, que tinha mais ou menos a minha idade.

Um dia, ela entrou no prédio chamando todos os adolescentes amigos do irmão, pois precisava de jovens com talento e coragem para uma campanha publicitária. E foi assim que fiz a minha primeira incursão no glamoroso mundo da propaganda.

O cliente era um cursinho pré-universitário famoso de Curitiba, o Positivo. E a parte de mostrar talento parecia fácil: o job era panfletar nos locais de provas do vestibular, que ia acontecer dali a alguns dias. A parte da coragem é que era um pouco mais complicada: tinha que raspar o cabelo e se vestir com um saco de estopa para parecer que era um calouro que tinha passado por um trote.

Como tudo era desafio, lá fomos nós, vizinhos de prédio, ao barbeiro para raspar os cabelos.

Fui zoado por algum tempo por colegas de escola que estavam prestando aquele vestibular e me viram naquela situação, mas sofrer bulling e sobreviver nos anos 80 era algo mais normal do que encarar o Dermogorgon de Stranger Things. Tirando isso, a experiência me rendeu alguns coisas boas.

A primeira delas é que descolei um dinheirinho pra viajar naquele verão. E assim pude partir com meus amigos da equipe de atletismo de busão até Camboriú, e encarar uma semana na praia sobrevivendo a base de sardinha enlatada e pão com salsicha no apê da família de um deles.

A segunda é que, por causa da careca, eu era cumprimentado e parabenizado por muita gente na rua, por ter “passado” no vestibular. E logicamente usei esse mote também em alguns xavecos. Com umas garotas, o papo era que eu tinha passado em medicina. Pra outras, eu estava escolhendo entre Unicamp e USP. A lorota sempre mudava. Mas sempre fingindo um enorme orgulho de uma conquista que eu nem de longe tinha atingido, pois ainda ia começar a cursar o terceiro ano.

Mas voltando à panfletagem em si, o trabalho me rendeu também alguns aprendizados para minha futura carreira, apesar de eu descobrir que era um fracasso panfletando.

É que todo mundo que eu conseguia entregar a merda do panfleto, rasgava ele e jogava fora. Na maioria das vezes, sem ler. Isso quando se dispunham a receber o papel. O pior é que a gente tinha que cumprir uma meta de distribuição. A van nos deixava na frente do portão do local do vestibular e o encarregado nos dava uma pilha gigante de panfletos, que deveria ser distribuída por completo até o fim do período.

Eu maldizia a mãe dos publicitários escrotos que criaram aquilo, cada vez que alguém se negava a receber aquele panfleto idiota de um cara idiota fantasiado como um idiota – eu. Depois de algumas tentativas, aprendi algumas táticas mágicas com os companheiros de ofício: – Não pergunta se a pessoa quer não, cara, vai logo empurrando na mão da pessoa. E não entrega um só não, mané. Enche a mão e entrega uns 3 ou 4, no mínimo. – E assim foi. No fim de cada expediente, aprendi mais uma artimanha: – Joga parte do que sobrou dos panfletos em alguma lixeira. Não tudo. Só parte, para não dar bandeira.

Para todos os efeitos, cumpri minhas metas, apesar de me achar uma fraude. Mas tudo bem. Naquela época eu não imaginava que anos depois eu seria uma daquelas pessoas que criaria ideias e estratégias para outras pessoas executarem, dentro de uma agência de propaganda.

Dentre algumas lições aprendidas na experiência e que aproveito até hoje é que comunicação é engajamento.

Eu não era um calouro de verdade. Eu não estava feliz por ter passado no vestibular. Eu sequer sabia em que curso eu iria me inscrever no final do ano seguinte. Eu nunca tinha estudado no Positivo, que inclusive era o maior adversário do time de atletismo do colégio que eu estudava.

Portanto, eu não me sentia nem um pouco à vontade em vestir aquela fantasia. Eu estava até meio puto de ter que raspar o cabelo e falar bem do Positivo, apesar de estar sendo pago para isso. Nem eu e nem nenhum dos outros panfleteiros estávamos engajados. E é claro que não nos empenhávamos muito em nossa tarefa.

Anos depois, já trabalhando em agência, eu ficava lembrando dessa experiência e pensando que a ideia da campanha não era ruim, apesar de constatar in loco que não funcionava. Na porta do vestibular, um calouro (recém aprovado) dando dicas de como passar no vestibular era sim uma boa ideia para divulgar uma marca junto ao seu público. Por que então a abordagem e receptividade das pessoas era tão difícil? Ora, porque era falso e aquilo não convencia ninguém.

Sempre me perguntei por que a agência não correu atrás de calouros de verdade, que tivessem estudado de fato no Positivo. Se eu, enquanto panfleteiro, fosse de fato um calouro, recém saído da escola e aprovado no vestibular, eu estaria orgulhoso da minha situação ali na frente de outros vestibulandos. Do mesmo jeito que eu fingia estar orgulhoso quando xavecava as meninas na praia.

Eu poderia de fato dar dicas e mostrar que sabia o caminho das pedras para ajudar outras pessoas a passar pelo vestibular. E falaria do cursinho que fiz com propriedade e segurança. Porque além dele me proporcionar minha conquista, eu ainda teria um envolvimento emocional com aquela escola, e isso me faria falar bem dela naturalmente.

Mas infelizmente, o Positivo resolveu contratar gente pra fingir ser o que não era. Gente sem envolvimento nenhum com a escola. E que não se sentia engajada com a mensagem.

Grandes campanhas falham por falta desse tipo de engajamento de suas equipes. E a falta dele é decorrente de questões como a não identificação com os valores comunicados, a falta de pertencimento e a falta de autenticidade da mensagem.

Acreditar no que está sendo comunicado é fundamental em qualquer etapa de um processo de comunicação. Já vi casos em que a agência acreditava e vestia a camisa de uma campanha mais do que o próprio anunciante. E já vi o inverso também. E em nenhuma das situações o resultado foi muito bom.

A mágica acontece sempre quando todo mundo acredita no que está comunicando. Aí a mensagem passa a ser sua. Seja você cliente, criador, panfleteiro ou consumidor final.

A verdade vende de verdade.

Eu sou capaz de raspar meu cabelo para mostrar isso.

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