A geração disruptiva.

tampa de carteira

Nos meus tempos de colégio, eu gostava muito desenhar. Desenhava bobagens em qualquer lugar. Caricaturas dos professores no quadro negro na hora do intervalo, arte erótica nas portas dos banheiros da escola e os mais diversos devaneios, quadrinhos, trocadilhos, frases de efeitos e cartuns nas tampas das carteiras durante as aulas. Só pelo prazer de imaginar alguém vendo aquilo tudo ao sentar naquela cadeira depois.

Eu aprendi a desenhar com meu irmão mais velho, que também desenhava bastante. Um dia, ainda na escola, ele me disse algo que nunca esqueci sobre as tampas das carteiras desenhadas. Ele achava que elas deveriam ser estudadas como uma fonte riquíssima de estudos de tendências da sociedade. Por que é ali que surge o novo, as ideias bacanas que seriam absorvidas por todo mundo depois.

Ele, adolescente ainda, estava certo. Talvez tenha errado só um pouquinho na idade. As tampas das carteira que deveriam passar a ser estudadas eram as de uma turma um pouquinho mais velha, já nas faculdades.

Estudos comprovam que os grupos de 18 a 24 anos são os que mais influenciam outros grupos, sejam eles mais novos ou mais velhos. E que a partir desse epicentro, outros grupos começam a ser influenciados exponencialmente. Empresas de pesquisas de tendências como a Box 1824 carregam essa lógica no próprio nome, dando mais ênfase na sua atuação pesquisando esse segmento de público.

Esse olhar para o jovem com o objetivo de entender para onde ele está caminhando sempre fez parte da indústria da comunicação. Com a revolução digital e as mudanças comportamentais advindas pós internet, dissecar o jovem virou quase uma obrigação.

E eis que chegamos na era em que o grande alvo de estudos são os seres nascidos e criados nesse ambiente sem ficha telefônica, de headphones sempre nos ouvidos, de facilidade de acesso à informação, de pouca conversa e sem necessidade de revista de mulher pelada escondida no banheiro, os chamados Millennials.

A precursora dos principais estudos sobre o jovem talvez tenha sido a MTV, em parceria com a mesma Box 1824, nos Dossiês Universo Jovem, lá pelo início dos anos 2000. No mês passado, a agência Talent Marcel, seguindo essa tendência, lançou um estudo muito interessante sobre o comportamento jovem chamado Mind The Gap. Vale a pena assistir. Acesse www.mindthegaptm.com.br para ter as informações completas ou veja o filme abaixo:

 

 

Mas algo diferente aconteceu essa semana e me chamou bastante atenção. Um estudo desenvolvido pelo Grupo Abril. E trata-se de um estudo sobre a Geração X. Oi? Como é? Você não se enganou não? Não quis dizer Y ou Z, por engano? Não, amigo. É isso mesmo. Um estudo sobre a Geração X. E olha, acho que você deveria dar uma olhadinha nesse estudo, seja você de que geração for. A matéria com mais dados esta em http://www.meioemensagem.com.br/home/ultimas-noticias/2017/06/21/abril-apresenta-estudo-sobre-geracao-x.html ou veja o filme abaixo:

Tente relevar o fato que esse estudo foi desenvolvido por um grupo (Abril) que parece nadar desesperadamente contra a correnteza para não se despedaçar em uma cachoeira digital. Releve também o linguajar, na minha opinião, às vezes grosseiro com os Millennials. A verdade é que algumas incômodas verdades estão sendo ditas ali.

Verdades que me fizeram ver novamente o documentário Mind The Gap e perceber que todo o estudo feito ali e que fala muito sobre os tais millennials é construído a partir de uma visão não dos Millennials, mas da geração X (basta ver os créditos no fim do vídeo).

Como membro dessa geração X, posso estar sendo cabotino na minha análise. Mas acho que realmente somos uma geração que ainda tem muito a colaborar na formação de novas tendências. Somos a geração ponte. A geração que nunca teve medo de descobrir e se aprofundar no online mas que ainda sabe conversar em modo offline, olho no olho, assumindo as responsabilidades pelo que diz.

Faço parte da geração que não fica só na primeira página da ideia, que rala em cima de um projeto, que se entrega, que aprendeu a pensar em planos B, C e D, que veste a camisa pra que a coisa saia bonita. Que não entrega os pontos. Pelo menos não sem lutar e sofrer bastante antes. Uma geração que muito antes de se falar em prototipagem e feedback, estava botando as ideias na rua e aprendendo com os próprios erros.

Não é preciso perguntar para muitos gestores de departamentos criativos para perceber que encontrar profissionais com esse perfil hoje em dia está cada vez mais difícil. Os interesses mudaram. E talvez não seja tão interessante assim se dedicar tanto a uma empresa ou projeto, na visão dos mais novos. Nisso, eles tem lá muita razão. Pero hay que manter la ternura sin deixar de endurecer nas horas certas.

Certamente uma geração tem muito a colaborar com a outra. A facilidade de interação com novas tecnologias dos Millennials é fascinante. Talvez eles precisem de ajuda para aprender a interagir um pouco mais com os colegas no ambiente de trabalho sem olhar para um display.

Creio que esses conflitos não são novidade e fazem parte de um ciclo natural. Lembro que quando estava no início de carreira, muitos colegas se referiam aos Diretores de algumas agências como Dinossauros que precisavam ser extintos. Particularmente, aprendi muito com alguns desses Dinos e sou muito grato aos profissionais mais velhos que tive a honra de trabalhar junto.

Certamente chegará uma hora em que os Millennials também serão considerados Dinos pela geração seguinte. Mas isso só acontecerá quando eles assumirem o protagonismo da indústria da Comunicação. Caso contrário, serão lembrados não como Dinos, mas como inofensivos lagartos.

Tomemos como exemplo o Festival de Cannes, que se encerrou nessa semana. Já que é um dos maiores momentos de benchmark do nosso mercado, vale a pena analisar um dado interessante que talvez mostre como ainda falta um pouco de maturidade para os Millennials e como a geração X ainda pode segurar por um bom tempo as rédeas dessa indústria. Trata-se de uma observação feita pelo Copresidente da MullenLowe, José Henrique Borghi:

“Posso estar enganado (não estou) mas as agências brasileiras digitais de nascença quase não ganharam leões em Cannes. Posso estar enganado (não estou) mas no ranking das mais premiadas este ano estão agências com 10, 20, 40 ou mais anos de idade. Todas ‘tradicionais’. Qual a explicação? Posso estar enganado (não estou) mas tem algo muito disruptivo, inovador e futurístico acontecendo.”

Entrando na propaganda de cabeça

 

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Quando eu tinha entre 15 e 16 anos, morava em Curitiba, em um pequeno prédio com apenas 16 apartamentos. A filha de um dos vizinhos, já adulta, tinha uma agência de casting publicitário e constantemente visitava os pais e o irmão mais novo, que tinha mais ou menos a minha idade.

Um dia, ela entrou no prédio chamando todos os adolescentes amigos do irmão, pois precisava de jovens com talento e coragem para uma campanha publicitária. E foi assim que fiz a minha primeira incursão no glamoroso mundo da propaganda.

O cliente era um cursinho pré-universitário famoso de Curitiba, o Positivo. E a parte de mostrar talento parecia fácil: o job era panfletar nos locais de provas do vestibular, que ia acontecer dali a alguns dias. A parte da coragem é que era um pouco mais complicada: tinha que raspar o cabelo e se vestir com um saco de estopa para parecer que era um calouro que tinha passado por um trote.

Como tudo era desafio, lá fomos nós, vizinhos de prédio, ao barbeiro para raspar os cabelos.

Fui zoado por algum tempo por colegas de escola que estavam prestando aquele vestibular e me viram naquela situação, mas sofrer bulling e sobreviver nos anos 80 era algo mais normal do que encarar o Dermogorgon de Stranger Things. Tirando isso, a experiência me rendeu alguns coisas boas.

A primeira delas é que descolei um dinheirinho pra viajar naquele verão. E assim pude partir com meus amigos da equipe de atletismo de busão até Camboriú, e encarar uma semana na praia sobrevivendo a base de sardinha enlatada e pão com salsicha no apê da família de um deles.

A segunda é que, por causa da careca, eu era cumprimentado e parabenizado por muita gente na rua, por ter “passado” no vestibular. E logicamente usei esse mote também em alguns xavecos. Com umas garotas, o papo era que eu tinha passado em medicina. Pra outras, eu estava escolhendo entre Unicamp e USP. A lorota sempre mudava. Mas sempre fingindo um enorme orgulho de uma conquista que eu nem de longe tinha atingido, pois ainda ia começar a cursar o terceiro ano.

Mas voltando à panfletagem em si, o trabalho me rendeu também alguns aprendizados para minha futura carreira, apesar de eu descobrir que era um fracasso panfletando.

É que todo mundo que eu conseguia entregar a merda do panfleto, rasgava ele e jogava fora. Na maioria das vezes, sem ler. Isso quando se dispunham a receber o papel. O pior é que a gente tinha que cumprir uma meta de distribuição. A van nos deixava na frente do portão do local do vestibular e o encarregado nos dava uma pilha gigante de panfletos, que deveria ser distribuída por completo até o fim do período.

Eu maldizia a mãe dos publicitários escrotos que criaram aquilo, cada vez que alguém se negava a receber aquele panfleto idiota de um cara idiota fantasiado como um idiota – eu. Depois de algumas tentativas, aprendi algumas táticas mágicas com os companheiros de ofício: – Não pergunta se a pessoa quer não, cara, vai logo empurrando na mão da pessoa. E não entrega um só não, mané. Enche a mão e entrega uns 3 ou 4, no mínimo. – E assim foi. No fim de cada expediente, aprendi mais uma artimanha: – Joga parte do que sobrou dos panfletos em alguma lixeira. Não tudo. Só parte, para não dar bandeira.

Para todos os efeitos, cumpri minhas metas, apesar de me achar uma fraude. Mas tudo bem. Naquela época eu não imaginava que anos depois eu seria uma daquelas pessoas que criaria ideias e estratégias para outras pessoas executarem, dentro de uma agência de propaganda.

Dentre algumas lições aprendidas na experiência e que aproveito até hoje é que comunicação é engajamento.

Eu não era um calouro de verdade. Eu não estava feliz por ter passado no vestibular. Eu sequer sabia em que curso eu iria me inscrever no final do ano seguinte. Eu nunca tinha estudado no Positivo, que inclusive era o maior adversário do time de atletismo do colégio que eu estudava.

Portanto, eu não me sentia nem um pouco à vontade em vestir aquela fantasia. Eu estava até meio puto de ter que raspar o cabelo e falar bem do Positivo, apesar de estar sendo pago para isso. Nem eu e nem nenhum dos outros panfleteiros estávamos engajados. E é claro que não nos empenhávamos muito em nossa tarefa.

Anos depois, já trabalhando em agência, eu ficava lembrando dessa experiência e pensando que a ideia da campanha não era ruim, apesar de constatar in loco que não funcionava. Na porta do vestibular, um calouro (recém aprovado) dando dicas de como passar no vestibular era sim uma boa ideia para divulgar uma marca junto ao seu público. Por que então a abordagem e receptividade das pessoas era tão difícil? Ora, porque era falso e aquilo não convencia ninguém.

Sempre me perguntei por que a agência não correu atrás de calouros de verdade, que tivessem estudado de fato no Positivo. Se eu, enquanto panfleteiro, fosse de fato um calouro, recém saído da escola e aprovado no vestibular, eu estaria orgulhoso da minha situação ali na frente de outros vestibulandos. Do mesmo jeito que eu fingia estar orgulhoso quando xavecava as meninas na praia.

Eu poderia de fato dar dicas e mostrar que sabia o caminho das pedras para ajudar outras pessoas a passar pelo vestibular. E falaria do cursinho que fiz com propriedade e segurança. Porque além dele me proporcionar minha conquista, eu ainda teria um envolvimento emocional com aquela escola, e isso me faria falar bem dela naturalmente.

Mas infelizmente, o Positivo resolveu contratar gente pra fingir ser o que não era. Gente sem envolvimento nenhum com a escola. E que não se sentia engajada com a mensagem.

Grandes campanhas falham por falta desse tipo de engajamento de suas equipes. E a falta dele é decorrente de questões como a não identificação com os valores comunicados, a falta de pertencimento e a falta de autenticidade da mensagem.

Acreditar no que está sendo comunicado é fundamental em qualquer etapa de um processo de comunicação. Já vi casos em que a agência acreditava e vestia a camisa de uma campanha mais do que o próprio anunciante. E já vi o inverso também. E em nenhuma das situações o resultado foi muito bom.

A mágica acontece sempre quando todo mundo acredita no que está comunicando. Aí a mensagem passa a ser sua. Seja você cliente, criador, panfleteiro ou consumidor final.

A verdade vende de verdade.

Eu sou capaz de raspar meu cabelo para mostrar isso.

Nasrudin e os novos profetas

Nasrudin

Tenho participado de vários cursos e palestras tentando entender os novos rumos da comunicação, do empreendedorismo e dessa tal nova economia criativa. E tenho aprendido muita coisa nova. Vivemos mais que uma mudança de era. Vivemos a própria era das mudanças.

É claro que tantas mudanças geram incertezas. Momento em que proliferam novos profetas. Aqueles que apresentam-se como portadores do um ponto de vista privilegiado e de uma espécie de Whatsapp do futuro que os transforma nas pessoas certas para guiar a todos na travessia por esse deserto de dúvidas.

É a era de profetas que embalam conceitos antigos que sempre estiveram aí com rótulos novos, terminologias moderninhas, processo didático dito colaborativo, inclusivo, disruptivo, orgânico, fora da caixa… (repare que todas essas palavras fazem parte do arsenal léxico dessa nova era). Em suma, um terreno fértil para a bullshitagem.

Acho que muitas dessas discussões são válidas e trazem novas ideias e estratégias. Mas, como diria Peter Drucker, a cultura devora a estratégia no café da manhã. E nem todo novo pensamento deve ser aplicado só porque se diz novo.

É preciso sempre usar uma ferramenta bem antiga chamada Bom Senso. Esse discernimento e capacidade de adaptação e escolha é que nos faz evoluir e garantir que uma frase de efeito como “Feito é melhor que Perfeito”, não vire uma desculpa para mediocrizar parâmetros de qualidade, por exemplo.

Entender o espírito do tempo em que vivemos é fundamental. E para mim tem sido produtivo seguir na plateia acompanhando esses profetas. Com uns, estou realmente abrindo meus olhos para um mundo novo . Com outros, procuro exercitar um pouco mais o meu bom senso e capacidade de discernimento. E com alguns outros, simplesmente procuro buscar em mim algum aprendizado alquímico capaz de promover a transmutação shit to gold. Mas ainda não consegui.

Ouvindo essa última turma, lembro sempre de uma história que ouvi de um professor nas aulas de antropologia da faculdade, que gostaria de compartilhar com vocês.

Nasrudin é um ser mitológico natural da Turquia. Não se sabe se realmente existiu, apesar de existir ate uma tumba no país com seus restos mortais. Suas histórias são bastante conhecidas em vários países do oriente médio. Nelas, ora ele é retratado como um sábio, ora como homem simplório mas com saber do povo, ora como um golpista. Mas sempre com histórias carregadas de ensinamentos. E é uma delas que compartilho com vocês:

Em algum lugar do passado, havia uma pequena vila no interior da Turquia que passava por um longo período de seca. O gado morria, as plantas não vicejavam e as esperanças iam embora junto com os mais jovens, que resolviam largar tudo e tentar a sorte em outras paragens.

Mas eis que um dia as chuvas vieram e garantiram uma safra como a muitos anos não se via. Os celeiros logo foram abastados de comida e provisões para um bom período. Os aldeões mais velhos sabiam que era preciso também celebrar e garantir na memória dos mais jovens aqueles momentos de felicidade e bonança, para que eles tivessem mais paciência nos próximos períodos de seca, que certamente viriam, e não abandonassem a vila.

E assim organizaram um grande festival. Com muita música, dança, comida e alegria. Um grande palco foi montado no centro da vila para as atrações. E um grupo de sábios decidiu que era preciso trazer uma atração especial para o evento, que marcasse aquele momento na memória de todos.

Para isso, eles subiriam a grande montanha e tentariam convencer o sábio eremita Nasrudin, que por décadas viva recluso naquelas cavernas, a descer e compartilhar com os jovens todo o seu conhecimento e visão de mundo.

Assim foi feito. Uma expedição foi montada e com muito custo conseguiram chegar ao alto daquela montanha mística. Um desafio que só não foi maior do que convencer o sábio Nasrudin a descer até a vila e compartilhar uma partícula de seu conhecimento com o povo, na grande festa que havia sido preparada.

O ancião relutou e teimou em não descer, mas por fim cedeu às súplicas de seus conterrâneos e assim iniciaram a longa jornada de volta.

A caravana foi recebida com música e foguetório e logo a população se aglomerou na frente do palco para ouvir aquele que tudo via e sabia, lá do alto daquela montanha mística.

Nasrudin subiu ao palco e fez-se naquele momento um silêncio sepulcral. O velho encarou a multidão e lançou em voz alta a pergunta que criaria enorme expectativa naquele povo sedento de conhecimento:

– Vocês sabem o que vim lhes falar?

A vila em coro respondeu em coro uníssono:

– Nãããããooooooo!

Nasrudin então responde secamente, já descendo as escadas:

– Então por que me chamaram?

A multidão perplexa assiste o velho montar em seu burrinho e partir de volta em direção à sua montanha. A incredulidade tomou conta do grupo que organizara o evento, paralisando-os. Até que partiram atrás do sábio em seus cavalos, encontrando-o já fora da cidade.

– Perdoe nossa humilde gente, mestre. São ignorantes que não estão preparados para ouvir a sua palavra.

– Sim, por favor, nos dê mais uma chance de ouvir o que tens a dizer.

E assim, a caravana entra novamente pela cidadela. O silêncio de incredulidade rapidamente volta a se transformar em alegria. Nasrudin voltou e eles ouviriam grandes e inspiradoras verdades.

O sábio sobe ao palco e lança novamente a pergunta:

– Vocês sabem o que vim lhes falar?

Dessa vez, a população, já preparada pelos organizadores, responde com ainda mais firmeza em uníssono:

– Siiiiiiiiimmmmmmm!

Nasrudin responde novamente decepcionado, já tomando o rumo de seu burrinho:

– Então por que me chamaram?

Novamente um grande alvoroço se fez e novamente os organizadores partem em desatino tentando convencer o velho a não abandonar a cidade antes de dar mais uma chance à plateia.

– É gente do campo e sem estudo, mestre. Por favor, pedimos só mais uma chance. Volte e reparta conosco uma mísera fração do seu conhecimento.

E assim se fez. O sábio sobe novamente ao palco, não antes de deixar claro que aquela seria a última vez. Lá de cima via-se agora uma plateia totalmente em dúvida de como se portar diante daquele sábio. E vem novamente a pergunta mortal:

– Vocês sabem o que vim lhes falar?

Silêncio e confusão no ar. Logo ouvem-se algumas pessoas perdidas na multidão falando sem firmeza alguma que SIM e outras sem a menor certeza falando que NÃO.

O sábio sorri e responde:

– Ótimo.

Alívio geral na vila. Mas então ele continua sua fala , novamente tomando o rumo de seu burrico:

– Então agora vocês que sabem contem para os que não sabem.

E tomou o rumo da sua montanha.

A razão.

SMARTPHONE PUSHBACK

Alta madrugada e um trio improvável bebe em volta da última mesa disponível na calçada em frente a um boteco qualquer, numa esquina qualquer de uma cidade qualquer. Os rostos cabisbaixos e iluminados pelas timelines passando nos celulares eram incapazes de perceber o vai dos últimos boêmios e o vem dos primeiros trabalhadores do dia.

– Onde está a razão que não vem?

– Será que ela chega um dia?

– Talvez tenha chegado antes de nós, se embebedado e caído no mundo. – conclui o de mais idade, completando: – Talvez também tenhamos que perder a razão para encontrá-la.

Os três permanecem calados por alguns segundos, pensando e deslizando os dedos pelas telas iluminadas de vidro. Ouve-se apenas o som do garçom lá dentro arrumando o salão e assobiando o último hit do Safadão interrompido, por vezes secamente, pelo barulho das cadeiras de plástico sendo arrastadas e do passar do rodo no chão.

O mais jovem do trio, com respiração pesada e ainda sem encarar os demais rompe o silêncio da mesa:

– Isso não é justo! Por que eu não posso nunca estar com a razão? Vocês dois já estiveram diversas vezes com ela. Eu não! Algumas vezes eu até pensei que ela pudesse estar ao meu lado, mas vocês sempre se esforçaram em mostrar que não, que eu não estava com a razão! Por que? Por que não me deixaram pelo menos pensando que sim, que eu podia estar com a razão? Foda-se se eu não estava! O que importa é que eu acharia que estava. E teria feito coisas que vocês, mesmo sempre com a razão, nunca se aventuraram a fazer. Eu teria seguido meus impulsos, minhas necessidades, meus desejos com a certeza de que EU estava certo. Vocês tem noção do que vocês me roubaram? Eu teria mudado o mundo!

O segundo do trio, que parecia mais velho, rebate:

– Ora, pare de culpar os outros pelos fracassos que você ainda nem teve, fedelho! Não me venha com esse mi-mi-mi revoltadinho agora, supondo que nós escondemos a razão de você. Eu sempre vivi a minha vida seguindo a minha própria razão, coisa que, aliás, você nunca se prestou a fazer! Com um pouquinho, só um pouquinho, de esforço, você poderia encontrar a sua própria razão em vez de culpar os outros pelos seus sonhos não realizados.

O terceiro do trio, bem mais velho, interrompe o segundo:

– Cale a boca, estúpido! Pare de dar lição de moral no guri. Não era a sua própria razão. Nunca foi. Será que nunca percebeste que eu é que tratei de colocar a minha razão nas suas ações?! Os seus ideais, seus sonhos, sua bem sucedida carreira, tudo que você conquistou foi graças a uma única razão. E não foi a sua. Perdi a juventude abrindo mão da minha razão para que ela desse um sentido para a sua existência!

Pela primeira vez os três desgrudaram os olhos dos celulares e entreolharam-se, trêmulos, corações ainda palpitando com os desabafos. O garçom, que tinha parado de assobiar e observava tudo de longe, voltou a fazê-lo, enquanto empilhava as últimas cadeiras e torcia para que aquilo não acabasse em confusão. Pensou porque diabos aqueles três não iam embora. Só faltava agora eles brigarem. Ansiedade, confusão, desilusão no ar. Tentando soprar o climão pra longe, soprou mais forte o refrão… “Você partiu meu coração….“

Disposição para sair no tapa, felizmente não havia. Aliás, não havia ali disposição para mais nada. Naquele átimo de segundo, o desejo de estar com a razão tornara-se menos importante que a vontade de dividir espaço um com o outro.

Vieram por orientação do mais velho. Sentaram-se para botar as coisas em pratos limpos à pedido do outro. E começaram a discutir, claro, pro causa do mais jovem. E por que diabos?

Porque o presente não tolera um futuro sem razão. Porque o futuro busca uma razão que o presente não enxerga. E porque ao passado só resta ser encarado pelo presente e pelo futuro como algo com uma razão que não existe mais.

Todos os porquês estavam na mesa. A razão, nope.

E naquela fração estacionada do tempo numa esquina qualquer, os três desistiram de tentar encontrá-la. Não seria ali, naquele encontro improvável. Talvez a sós fosse mais conveniente e prazeroso estar com a razão, desfrutar da razão, se deliciar com a razão. Não havia para eles a partir de então sentido algum em dividir a razão com ninguém.

Em silêncio, cada um deixou um trocado na mesa pra pagar a cerveja não bebida e sem mais palavras fizeram um acordo tácito de nunca mais se encontrarem novamente. O sol estava nascendo. Era melhor esquecer aquele desencontro e partir em busca de seus próprios caminhos. Mantendo cada um a sua razão, mas bem longe um do outro.

Partiram cabisbaixos e com os rostos iluminados pelas suas timelines, digitando e discutindo pelo celular. Um em busca de sua própria razão. O outro fugindo da razão alheia. E o terceiro sem a menor razão.

Perderam–se pelas vielas da vida.

Já não conseguiam enxergar um ao outro – e não tinham mesmo o menor interesse em olhar pra trás. Mas se assim fizessem, teriam percebido a chegada tardia àquele bar do motivo de tanta espera.

Ela, que chegou pedindo uma cerveja no balcão e fez questão de assobiar “… um pedacinho do meu esquema” junto com o garçom para que ele trouxesse a mais gelada. Ela, perdida no mundo e sempre atrasada, parece até que só pra mostrar que não é de ninguém. Ela, tão comunzinha e tão diferentona de todas as outras. Ela, que é sempre refém do tempo e que nem sempre tem sua própria razão.

Ela, a própria razão.

Mojo e cheirinho de giz

Semana

Esta semana aconteceu a Primeira Semana da Criação Publicitária de Brasília. Me refiro a essa mesma semana de Maio, só que 19 anos atrás. O ano era 1998 e um grupo de profissionais novinhos, ainda cheirando à giz da Universidade, do qual eu fazia parte, encasquetou que Brasília tinha mercado e vocação para ser um polo criativo. E lá fomos nós: Wesley Santos, Ronaldo Carvalho, Alex Alencar e Carlos Grillo. Depois juntaram-se Daniel Chuis e Geisa Lopes. E depois muito mais gente boa e criativa.

Fundamos um tal Clube de Criação de Brasília, que começou suas atividades na sala do apartamento do Wesley, que de longe era o mais engajado de todos. E decidimos marcar o início dos trabalhos do Clube com um grande evento na cidade, a I Semana da Criação Publicitária de Brasília.

Para que isso acontecesse, precisaríamos de um telefone e um endereço para as pessoas se inscreverem e se tornarem sócias do clube. Apesar de todo o engajamento do Wesley, achamos que a mãe dele não ia gostar que isso acontecesse lá no apartamento deles. E assim, resolvemos alugar uma sala no Ed. Venâncio 2000. Compramos fax, estantes de aço, mesas e cadeiras. Tudo com os suados salários de redatores e diretores de arte em início de carreira de agências locais. Doía na alma bancar aquilo do próprio bolso. Até hoje dói só de lembrar. Mas seguimos em frente. Principalmente porque acreditávamos que o mercado precisava passar por uma revolução.

E passou. Novos profissionais ganharam espaço. E a criação local passou a ser mais valorizada também. Equipes passaram a ser montadas e estruturadas, como definia a lei. A criação local passou a ser assunto. Basta lembrar que 20 anos atrás os departamentos criativos das agências que atendiam as contas públicas de Brasília eram muitas vezes restritos a um estúdio para montagem de layouts. Tudo era feito fora. O criativo desembarcava em Brasília, passava na agência, pegava os layouts criados fora, apresentava e voltava para a sua cidade. Sem conversa, sem proximidade nenhuma entre a criação e o anunciante, sem entender o dia-a-dia e as reais necessidades dos clientes.

Mas a partir daquela Semana muita coisa mudaria. Lógico que erramos bastante. Mas acertamos muito definindo que precisávamos começar com um grande evento, que chamasse atenção para a publicidade em Brasília. Calhou de acontecer no auditório do Templo da LBV, o Parlamundi.

Acertamos também na escolha dos palestrantes. Para começar, Ségio Amaral, então chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Em tese, a presença dele garantiria que o evento não passaria despercebido pela Esplanada. E que a publicidade passaria a ser pensada de forma diferente nas contas públicas, levando em conta a ótica da criação publicitária.

Trouxemos também grandes nomes criativos, como Marcelo Serpa, da Almap, e o criador da campanha que contagiava o país, a dos mamíferos da Parmalat. Seu nome: Erh Ray (que substituiu Nizan Guanaes de última hora e fez uma animada palestra com direito a lançamento de bichinhos de pelúcia para a plateia).

Mas talvez o mais emblemático palestrante daquele evento para nós, organizadores, tenha sido o diretor de criação de uma agência de criação de fora do eixo Rio-São Paulo que fazia trabalhos muitos criativos, a Dez Propaganda, de Porto Alegre. Vitor Knijnic era o nome dele. Na nossa lógica, se o Vitor conseguia fazer tanta coisa boa em Porto Alegre, por que nós não conseguiríamos fazer aqui?

O Vitor teria uma tarefa ingrata. Por uma questão de agenda, ele seria o primeiro criativo palestrante do primeiro dia do evento, que durou 3 dias. Sabíamos que a palestra dele seria fundamental para o evento embalar. E lá foi ele pro palco. Com seu jeito tímido, começou a falar sobre a importância de uma grande ideia, de como ela é fundamental para que uma propaganda se tornasse lembrada, memorável, inspiradora e transformadora. Aí, o Vitor começou a mostrar os comerciais criados pela Dez para um curso Pré-Vestibular. O conceito era matador: Difícil mesmo é a vida. Vestibular a gente dá um jeito.

Foi então que a mágica aconteceu. O Vitor ganhou a plateia e arrebentou. Foi contagiante. Desconfio até que uma série de bons comerciais de escolas e faculdades de Brasília criados nos fim dos anos 90 e início dos anos 2000 (NDA, Projeção, IESB…) tenha tido seus criativos inspirados pelos trabalhos apresentados naquele momento pelo Vitor.

Hoje, 19 anos depois, muita coisa mudou e o mercado não vive a mesma efervescência. A profissão não tem mais o mesmo apelo. Os meios de comunicação mudaram. Nossa relação com a TV, o rádio, as revistas e mesmo com a internet é outra. Curiosamente, num tempo de comunicação mais fácil, o diálogo entre as equipes criativas e os clientes voltou a ficar mais restrito (Já falei sobre isso no post A LEI DA SELVA).

Acredito que o mercado precisa se reinventar, talvez passar por uma nova revolução. Mas onde estão os jovens profissionais ainda cheirando a giz querendo mostrar que podem fazer mais? Como Diretor de Criação de grandes agências de Brasília, nos últimos anos tive muita dificuldade para garimpar esses talentos e montar times. E tenho certeza que não somente eu estava passando por esse perrengue. É extremamente comum colegas de outras agências pedirem indicações de algum garoto ou garota com sangue nos olhos, faca no dente e disposição para mudar o mundo sabendo que vai ter que carregar ele nas costas.

Mas cadê a vibração pelas novas ideias? Cadê o entusiasmo? Cadê o MOJO ( Se vc não sabe o que é isso, por favor assista Austin Powers ou consulte o Google)?

Venho descobrindo que essa magia criativa acontece hoje em dia muito mais fora das agências do que dentro delas. Repara só na quantidade de ex-publicitários fazendo alguma coisa diferente, começando start-ups, desenvolvendo projetos, mudando de carreira, recomeçando em outra área.

Acho ótimo ver a criatividade se espalhando para fora dos departamentos de criação. Mas fico triste em ver que o ambiente criativo do qual somos nativos está se esvaindo.

Por isso resolvi ir atrás dessa tal criatividade e ficar mais por dentro de toda essa nova economia criativa, que abre espaços inimagináveis para gente que quer mudar o mundo carregando ele no celular. Desde o início do ano, estou fazendo uma pancada de cursos pra tentar recuperar o cheirinho de giz e o MOJO.

Comecei aprendendo que quase ninguém mais usa giz. Agora é quase tudo no ppt, no keynote ou no pincel atômico mesmo. Percebi também que nossos ídolos agora são outros. Exceto os que se reinventaram.

Por falar nisso, sabe o Vitor Knijnik, aquele diretor de criação fantástico que nos inspirou 19 anos atrás? Descobri que ele saiu do universo das agências de publicidade e hoje é CEO da maior rede de canais de vídeos do YouTube. Descobri também que ele dá aulas na Perestroika, uma outra iniciativa de ex-publicitários gaúchos.

Ah, por falar nisso, ele é um dos palestrantes do curso Fractal – Novos Protagonistas da Comunicação, da Perestroika. Começa semana que vem aqui em Brasília e eu já me inscrevi. Talvez dê tempo de você se inscrever ainda. Se der, quem sabe a gente se encontra na plateia para ver se a mágica acontece novamente em nosso mercado.

Just Post-It.

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Era uma belezura de folhinha de papel rosa pink, grudada numa parede de vidro do escritório em meio a inúmeros outros post-its. Um ponto rosa luminoso cercado de fileiras organizadas de papeizinhos verdes e roxos fosforescentes, azuis cianos, vermelhos rubros, amarelos cítricos e, claro, também alguns daqueles mais comuns, os amarelos desbotados, iguaizinhos a ele, que só admirava encantado de longe.

Ele, que simplesmente apaixonou-se. Ele, que não quis continuar só admirando.

– Tá, sou um post-it amarelo desbotado, sim. Mas já tive meus momentos de glória. – Ele adorava lembrar aos outros e a si mesmo disso e de outras coisas frugais da vida. Mas agora seu objetivo era vencer o abismo de timidez que o separava da parede de vidro e mandar alguma mensagem mais direta para aquela que não mais sairia das suas lembranças.

Resolveu falar o nome que ela carregava consigo:

– Ideia!

– Quem falou? – Respondeu surpresa, desacostumada que era a ouvir alguém falar mais alto. – Quem falou meu nome?

– Eu aqui do outro lado, colado no cantinho do monitor da mesa em frente!

O fato é que a desejada folhinha de papel adesivada rosa pink onde se lia Ideia nunca tinha percebido que havia um monitor na mesa do outro lado da sala. E ainda mais que tinha um post-itzinho, old school, daqueles amarelos desbotados, largado ali no cantinho daquele monitor.

– Consegue me ver daí?

Tudo bem que o alvoroço em torno da ideia era sempre grande. Mas agora, na calmaria do escritório vazio depois do expediente, sem as pessoas olhando pra ela, paparicando ela, celebrando ela, finalmente a belezura de post-it rosa pink onde se lia Ideia percebia o post-it amarelo desbotado do outro lado da sala, meio colado, meio dobrado, meio sei lá.

Convenhamos… a primeira impressão que ele causou não foi legal. Também pudera, né? Para ela, aquele post-it ali, daquele jeito, era típico de quem nunca tinha visto um tutorial de como tirar post-it do bloquinho. Gente desconectada. Ou então de quem tinha deixado um recado às pressas, sem planejamento, método, estudo de caso. Boa coisa não podia vir dali.

– Você fala!!! – Disse a belezura de post-it rosa onde se lia Ideia quase que duvidando que aquilo era possível.

– D-desculpe se incomodei. – Emendou o acabrunhado post-it amarelo desbotado, para surpresa ainda maior dela.

– Não! Eu é que peço desculpas. É que, sem querer parecer arrogante, mas… já participei de inúmeros planejamentos, brainstormings, hackathons… você, sabe, né? Esse ambiente de start-ups, economia criativa, design thinking… eu sou acostumada com mudança de mindset, disrupção, pensamento divergente e convergente, kanban, canvas, coisa e tal… mas nunca vi antes um post-it sozinho conseguir falar alguma coisa!

– Ué, mas você também fala! – respondeu o agora não tão acabrunhado post-it amarelo desbotado.

– Ah, é diferente, né? Eu carrego a ideia. E olha só quanto post-it tem em minha volta: Colaboração, Empatia, Experimentação, Feedback, Equipes Multidisciplinares, Stakeholders, Awareness, Objetivos, Prototipagem… tudo isso faz a ideia falar mais alto.

O final da última frase foi terminada com a belezura de post-it rosa pink olhando ainda mais de cima pra baixo o post-it amarelo desbotado, meio colado, meio dobrado. E pra mostrar quem mandava ali, ela ainda jogou na lata: – À propósito, não dá pra ler daqui o que tem escrito aí em você.

Foi aí que nosso já um pouco mais à vontade post-it amarelo desbotado mostrou que também era descolado. Ele sabia que onde tem uma ideia, tem sempre curiosidade:

– Ah, é que minha mensagem foi desenhada à lápis, com letra pequena e fininha. Não foi escrita com pincel atômico como a sua Ideia, não.

– E porque alguém escreve um post-it com traço fininho assim, cara? O objetivo da gente não é ser visto e lembrado?

– Ah, é que eu carrego uma mensagem pessoal, sabe? Não é pra todo mundo ver. Mas te garanto que minha mensagem também foi vista e lembrada, viu!

Pronto. Estava lançada a isca. E a belezura de post-it rosa pink escrito Ideia mordeu, curiosa pra saber mais:

– Como você pode ter certeza? Não vejo nenhum post-it à sua volta embasando isso. Nenhum Check List, nenhum Feedback, nenhum Mapeamento. Cadê a Comprovação? Cadê a Iteração? Cadê o B.I.?

– Não conheço nada disso, Rosinha, eu sou das antigas. – retrucou um já confiante post-it amarelo não tão desbotado. E deslanchou:

– Eu trabalho com percepção. Eu simplesmente desconfio, pelo simples fato de que o escritório está vazio. E nem a moça que me colou nesse cantinho de monitor e nem o rapaz que escreveu Ideia em você estão mais aqui. Aliás, você percebeu como eles estavam na mesma sintonia quando pintou essa Ideia escrita aí em você?

– Agora que você falou… é verdade! – Concluiu uma desconfiada folhinha de papel rosa pink. – A ideia pintou até mais cedo que o normal e eles foram embora, encerrando o expediente.

– E juntinhos, reparou?

– É, eu percebi um movimento estranho quando cada um colou um post-it escrito Ousadia ao mesmo tempo aqui no vidro.

– Isso mesmo. Foi um pouco antes da moça me grudar no cantinho do monitor do computador do rapaz.

– Tá, mas e daí?

– Daí que uma ideia puxa outra. – sorriu com ar safado o post-it amarelo nada desbotado.

– E por que eles não colaram essa outra ideia aqui do meu lado?

– Olha, acho que eles já partiram direto para a fase de Experimentação da outra ideia, longe daqui.

De repente, aquela belezura de folhinha de papel rosa pink onde se lia Ideia, que se achava tão moderna, ruborizou. E depois caiu em si, sentindo-se abandonada:

– E me esqueceram?

– Só por um momento, não se preocupe, Rosinha. Mas eu não te esqueci. Pra mim você ainda é a melhor das Ideias. Pois foi por você que eu nasci. Você é a razão da minha existência.

– Sabe que eu tô começando a te achar colaborativo, Amarelinho. Agora para de me enrolar e diz aí o que tá escrito em você.

– Porque você não vem ver de perto? Desgruda dessa parede e se joga, Ideia.

– Achei que você fosse tomar a iniciativa, Amarelão!

– Ué? Não era você que se achava moderna? Bora dividir a iniciativa, então.

– Combinado. No 3, os 2 se jogam.

– Vamos nessa.

– Um, dois…

No outro dia, dois post-its foram encontrados pelo pessoal da limpeza no chão do corredor, entre a parede de vidro e a mesa do computador. Estavam amassados, manchados, levemente rasgados e tão grudados um no outro que pareciam um só. Pareciam lixo. E foram parar na lixeira. Não sem antes o faxineiro conferir o que continham.

No lado rosa pink, a palavra Ideia.

No lado amarelo, só o desenho à lápis de um coração.

Inside the Hyper. Outside the Island.

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Na última semana finalizei meu segundo curso na Hyper Island, dessa vez o Digital Acceleration, em Porto Alegre. O primeiro, The Hyper Island Way, focado em gestão de equipes e liderança criativa, tive a oportunidade de cursar em Estocolmo, na cidade onde nasceu essa inovadora escola de negócios criativos. E foi tão bom que resolvi fazer o segundo curso aqui no Brasil.

Para quem não conhece a história da Hyper, ela surgiu como uma empresa de confecção de CD-ROMs, na década de 90, mas logo descobriu que precisava se reinventar para continuar sobrevivendo ao avanço das novas tecnologias. E esse processo acabou transformando-a em uma das escolas de inovação mais conceituadas do mundo, com direito a sede própria em um ex-presídio na Suécia (só isso já garante um belo conceito criativo pra escola, né?) e operações espalhadas pelos principais mercados do mundo, como NY, Singapore, London, Bogotá e mais recentemente São Paulo e Porto Alegre.

A boa notícia que trago pra quem tem interesse em fazer o Digital Acceleration no Brasil é que as aulas oferecidas aqui tem a mesma essência das que tive na Suécia. Apesar de ter feito cursos diferentes lá e aqui, deu pra perceber que o DNA é o mesmo: tudo começa com o indivíduo. Com as necessidades humanas. E a partir daí a Hyper nada de braçada, levando você a aprender fazendo. E a refletir, refletir e refletir bastante durante todo o processo.

“Nosso desafio é descobrir como ser mais interessante que o smartphone do outro”.

Você deve estar se perguntando que tecnologias maravilhosas eu conheci nesse curso de Digital Acceleration. A resposta pode ser um pouco decepcionante, mas foram as mesmas que provavelmente você já ouviu falar por aqui.

Lógico que sempre pinta uma menção a um app ou device novo, como referência de uma ação inovadora que está sendo desenvolvida em algum lugar do mundo, como carros autônomos, Inteligência Artificial, Botnets e afins. Mas o que está por trás do sucesso ou fracasso de todas essas inovações será sempre a necessidade humana, lembra?

Por isso, a tecnologia mais estudada na Hyper será sempre aquela que está dentro da sua cabeça, o seu jeito de pensar. A filosofia da escola se baseia no fato de que que não existe mudança na estratégia sem mudança na cultura. E não existe mudança na cultura sem mudar o mindset.

Por falar em mindset, fiquei apaixonado por essa palavra, que é uma das mais faladas durante o curso. Acho que traduzi-la para o português como “mentalidade” tira a força do conceito de ensino praticado pela escola. Mentalidade me parece sempre algo arcaico, estabelecido, imutável. Mindset me remete mais claramente à ideia de mente (mind) que se pode ajustar, ou “setar”. Acho uma maneira legal de imaginar a proposta da Hyper.

A partir da lógica das necessidades humanas, da mudança de mindset, do permitir-se errar e da diminuição de ciclos operacionais (ciclos mais curtos), tomamos conhecimento no curso de uma série de ferramentas e métodos de aceleração de processos, como Scrum, Agile Mindset, Job To Be Done, que não vou me aprofundar agora.

O que eu queria realmente me aprofundar é num ensinamento simples e de grande relevância, sobretudo para aqueles que trabalham com geração de conteúdos: a importância das conversas.

Não parece óbvio que qualquer projeto precise ser bem conversado? Imagine então os que tem a ver com comunicação! É… mas a gente sabe que na prática não é bem assim que as coisas acontecem. Ok, os prazos e processos muitas vezes impedem as conversas, mas bem que a gente podia procrastinar por alguns momentos a troca de e-mail, de whatsapps e de arquivos para aquela pessoa que está sentada na mesa ao lado e simplesmente chamá-la por uma boa e velha conversa, né?

O falar e ouvir na cara, o tét-à-tét , o olho no olho, ainda é a melhor forma de fazer uma campanha matadora. De captar o riso forçado ou o olhar desconfiado e fazer ajustes. De enxergar na expressão do outro um caminho diferente. De entender que uma colaboração pode ser mais que pertinente, pode ser genial. É também a melhor forma de argumentar, de vender e comprar a necessidade humana por trás de uma iniciativa.

Por incrível que pareça, é preciso exercitar isso dentro dos ambientes de criação, de atendimento, de planejamento, nas agências e nos anunciantes. As relações entre profissionais, entre departamentos e entre agência e seus clientes (infelizmente, quando a concorrência permite, vide último post) precisam de mais conversas. É preciso ouvir mais, dar chance para diferentes pontos de vista, processar e retribuir. Porque é nesse momento que também se materializa um outro conceito amplamente difundido na Hyper: o da colaboração, do trabalho compartilhado, da co-criação.

É por isso que acredito que departamentos de criação de agências de propaganda precisam de um pouco de barulho, de zum-zum-zum produtivo, de construção e desconstrução coletiva de argumentos. Claro que existem momentos que é necessário se isolar para se concentrar numa tarefa. Como redator eu sempre precisei dos meus momentos de silêncio. De me isolar na minha ilha. Mas isso não pode ser motivo para ficar o dia todo com o fone de ouvido e usá-lo como uma placa informando que suas orelhas estão fechadas para conversas.

Um dos momentos mais marcantes para mim do curso de Porto Alegre veio a partir de uma proposta de um dos speakers, o baiano-sueco Caio Andrade (siga esse cara!). Ele propõe substituirmos o termo IDEIA pela palavra CONVERSA. Segundo ele, IDEIA já pressupõe um pensamento já formulado, concebido, algo que você (e só você) pensou. Já uma conversa é algo sempre em construção, bilateral, e ainda sem um final definido.

Sendo assim, que tal trocar o “eu tive uma ideia” por um “vamos ter uma conversa” e deixar a coisa fluir? O negócio é sair da própria ilha de convicções, construir pontes e içar as velas do barco. Se isso te incomodar um pouco no início, relaxe e não desista, insista. Até porque sair da zona de conforto também é um conceito que a gente precisa saber trabalhar.

A Lei da Selva

Essa semana completam-se 7 anos da promulgação da Lei 12.232, que regulariza as licitações e contratações de agências de propaganda que atendem contas públicas. Na época, a Lei foi celebrada por entidades do nosso mercado como uma vitória. Quem me conhece sabe das minhas críticas desde o início da implantação dessa Lei. Mas e hoje, o que você diria sobre a Lei? Resolveu?

Ok, o mercado estava totalmente desregulado e era necessário colocar alguma ordem no galinheiro, depois da lama revelada pelo mensalão. Mas acho que muitas das mudanças trazidas por essa Lei só serviram para legitimar um processo que continua errado e anacrônico. Ou alguém aqui realmente acha que envelopes apócrifos impedem um membro de comissão julgadora de reconhecer uma proposta que ele supostamente queira beneficiar?

Não sou dono da razão e minha opinião sobre processos licitatórios vale tanto quanto o reembolso de uma pizza pedida pela criação e que veio sem a nota. Ou seja, nada. Mas particularmente acho que agências de propaganda deveriam ser contratadas pelo governo sem licitação. Tipo cargo de confiança. A remuneração seguiria o padrão do CENP, os Tribunais de Contas auditariam os contratos com fornecedores e pronto. O governante tomaria posse, indicaria sua equipe, seus ministros, suas agências de confiança e seria responsável por essas escolhas. Simples assim. Transparente assim. Sem hipocrisia.

Mas esse post não é sobre o processo licitatório em si. É sobre uma mudança que considero muito mais grave, pois diz respeito às nossas noites mal dormidas. E tá lá definida no quarto parágrafo do primeiro capítulo da tal Lei 12.232 assim:

  • 4o– Para a execução das ações de comunicação publicitária (…) o órgão ou a entidade deverá, obrigatoriamente, instituir procedimento de seleção interna entre as contratadas, cuja metodologia será aprovada pela administração e publicada na imprensa oficial.

O amigo leigo deve pensar que essa proposta é bacana, pois garante mais qualidade e economia para a comunicação do governo, certo? #SQN

Pra começo de conversa, já parou para pensar por que um grande anunciante tem mais de uma agência? Porque ele tem uma demanda de comunicação enorme e é melhor dividir a conta publicitária em mais de uma agência para que cada uma cuide de uma área e faça bem a sua parte. Agora me diga por que 3 ou 4 agências que atendem contas públicas tem que concorrer em quase todos os jobs, sejam eles institucionais, de um serviço determinado ou seja lá do que for? Não seria mais produtivo se cada uma se concentrasse em uma demanda específica, desenvolvendo expertise para áreas pré-definidas de atuação dentro da cliente?

Antes de 2010, era muito mais comum que briefings começassem a ser desenvolvidos dentro do cliente com a ajuda da agência. E dentro da agência, junto com o cliente. Acho que o processo era muito mais conversado. Mas aí vieram as tais concorrências entre agências contratadas, ordenadas pela Lei, a partir de 2010. Desde então é todo mundo criando pra tudo. Todo mundo sem foco. Todo mundo trabalhando feito louco. Todo mundo gastando tempo pesando na concorrência, na apresentação, no keynote, no tempo que não pode estourar, nos monstros para impressionar os jurados… Tempo que deveria ser usado pensando na ideia central da campanha.

Antes que você conclua que a minha linha de pensamento é a dos preguiçosos e dos que querem trabalhar menos e ganhar mais, acompanhe meu raciocínio e veja como o modelo é insustentável para as agências e improdutivo para o anunciante:

Quando uma agência monta sua estrutura pra atender um cliente, ela faz uma conta básica. Quanto pode faturar – quanto vai investir na operação = lucro que espera obter. E se um edital diz que a verba é X e a conta será atendida por 3 agências, parece lógico que ela contratará uma equipe condizente a um orçamento de X/3, certo? Só que a realidade é que essa equipe vai trabalhar 3X, pois vai ter que dar o sangue em 100% das concorrências de campanhas.

Olhando pelo lado do cliente, perde-se um tempo considerável organizando e preparando o certame. Muitas vezes em situações que precisam ser veiculadas com urgência. Tempo que poderia ser usado brifando e planejando conjuntamente com uma única agência, de forma mais integrada. Hoje a situação é tão surreal que muitas vezes para garantir a lisura do processo, cliente e agência não podem trocar ideias, debater, argumentar, afinar propostas e chegar a um resultado melhor. Perde-se um estágio fundamental do processo. E justamente o estágio onde o 1 +1 = 3.

Agora pensa na qualidade do que será apresentado. Pra ganhar seu 1/3 de concorrências e suplantar 2/3 de derrotas que matematicamente terão de ser absorvidas pela agência, ninguém pode correr riscos, diriam muitos. Nada de ousadia nas propostas, diriam outros. Ora, qualquer analista de investimentos sabe que quanto maior o risco, maiores as possibilidades de resultado. E assim, uma concorrência pode facilmente caminhar para se tornar a melhor maneira de escolher a opção mais medíocre.

Ah, mas muito trabalho bom e premiado tem sido feito de 2010 pra cá! Claro que sim, pois onde há talento e vontade há sempre a necessidade de se superar.

Mas a pergunta que não pode calar é… a que custo? Não precisa ser especialista para perceber que nos últimos 7 anos, as equipes e os salários das agências vem sendo reduzidos drasticamente a um ponto que a sobrecarga de trabalho beira o nonsense. Concorrências importantíssimas acontecendo com prazo de 2 dias, equipes estressadas, cansadas, mal remuneradas, ambientes de trabalho tensos, profissionais exauridos física e psicologicamente, agências à beira de um colapso financeiro sem poder planejar seus gastos, mercado quebrado, produtoras a ver navios, muita gente trabalhando “no risco” e reclamações por toda parte. É a Lei da Selva. E que sobreviva o mais forte.

Acredito que nosso dever como profissionais é tentar superar essas dificuldades e tentar melhorar sempre. Mas será que, 7 anos depois, não tá na hora de começarmos uma campanha para ajustar a Lei 12.232? Ela também pode melhorar. Na minha humilde opinião, isso precisa começar a ser discutido nas agências e nos clientes. Sim, nós podemos e devemos afinar leis e processos para melhorar a qualidade do nosso trabalho. E a nossa qualidade de vida. Bora começar uma campanha para isso? Bora! Só por favor não inventem de fazer concorrência.